Por Vera Natale

Você já deve ter se deparado com a frase lugar-comum “Pensar fora da caixa” várias vezes. Mas, isso não significa que ela tenha sido eficaz em mover você à ação ou reflexão. Pelo contrário, devido ao seu uso excessivo, tornou-se tão banal que, na maioria das vezes, não surte mais o efeito desejado. Essa é apenas uma, dentre tantas outras expressões clichês, que perderam sua relevância e impacto original e podem ter comprometido a eficácia da sua comunicação profissional.

Neste artigo explico o que são essas frases, suas características  e os efeitos, positivo e negativo, na sua comunicação. Além disso, sugiro alternativas e soluções para detectar e evitar o uso excessivo dessas expressões tão gastas.

Vamos entrar no mundo dos clichês e descobrir como e em que medida podem afetar a sua comunicação.

O que são clichês?

Clichês são expressões, frases ou ideias que de tanto usadas se desgastaram, perderam seu brilho e força. São considerados vícios de linguagem e, em geral, possuem significado sedimentado por ideias generalistas ou estereotipadas que acabam agregando mais pontos negativos do que positivos à mensagem.

No caso de frases, sejam faladas ou escritas, são aquelas que você “ouve por um ouvido e saem pelo outro”, como se diz popularmente. Não “te tocam” mais porque são frases-feitas, chavão ou lugar-comum, estereotipadas e previsíveis, usadas de forma automática, sem passar pelo crivo da reflexão ou criatividade. Estão presentes não apenas em textos coloquiais, mas também nos mais formais. O dicionarista Antonio Houaiss define da seguinte forma:

“Frase freq. rebuscada que se banaliza por ser muito repetida, transformando e em unidade linguística estereotipada, de fácil emprego pelo emissor e fácil compreensão pelo receptor; lugar-comum, chavão.” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)

Confira alguns clichês:

  • “Poderia ser pior”.
  • “O que não te mata te fortalece”.
  • “Tente ver pelo lado positivo”.
  • “Uma luz no fim do túnel”.
  • “Voltamos à estaca zero”.
  • “Tudo acontece por uma razão”.
  • “As coisas são como são” entre outros.

No mundo da literatura, alguns exemplos de ideias clichês são, por exemplo: a donzela frágil em perigo que precisa ser resgatada; o vilão que é cem porcento cruel e não tem nenhuma qualidade redentora; ou a história de duas pessoas diferentes que se apaixonam e seu amor é proibido. Muitas telenovelas e filmes estão recheados deles.

Esse tipo de frase também é bem presente nos textos corporativos. Ao longo da minha carreira, observei os clichês em muitos textos da comunicação interna, além de press releases (informativos para a imprensa) e apresentações, como os que seguem:

  • “Será preciso correr atrás do prejuízo”.
  • “Fechamos com chave de ouro”.
  • “No mundo atual em constante transformação”.
  • “Estudos comprovam”.
  • “Enquanto uns choram, outros vendem lenços”.
  • “Devemos preservar o meio-ambiente”
  • “Vestir a camisa”.
  • “Juntos somos mais fortes”.
  • “Fazendo a diferença”.
  • “O melhor de dois mundos”.
  • “Sem mais para o momento”, etc.

A origem do termo

A palavra “clichê” tem sua origem no francês “cliché” (século XIX), significando placa de metal gravada em relevo (matriz) com uma imagem ou texto usada para impressão ou reprodução de cópias em massa. Sua principal finalidade era garantir impressões precisas e de qualidade. Segundo o dicionário Houaiss, a origem pode ser de cunho onomatopeico, “a partir do ruído da matriz abatendo-se sobre o metal em fusão”.

Ainda hoje, clichês metálicos são usados na indústria gráfica para transferir tinta para adesivos, rótulos e etiquetas e coexistem com outros tipos de matrizes e placas feitas de latão ou foto polímero (lâmina de aço fina revestida de resina ativada por luz), por exemplo.

Ao longo do tempo, o significado relativo à função de estampar algo com qualidade se manteve, mas também se desdobrou em outros. Na área da comunicação, a palavra atrelou-se ao aspecto do  processo, repetitivo e em massa, de usar a peça clichê várias vezes sobre determinada superfície para realizar as impressões gráficas.  Metaforicamente, passou, então, a designar a qualquer expressão ou ideia que se tornou tão repetida e banal que perdeu a “graça” e a força originais. Curioso, não acha?

Mão segurando clichês metálicos usados na indústria gráfica

Clichês metálicos usados na indústria gráfica

As principais consequências de usar frases clichês na sua comunicação escrita

Sabendo o que os clichês representam na comunicação, é natural você pensar que os usar só tem consequências negativas. Lamento contrariar as expectativas, mas há alguns pontos positivos que é importante você saber. Vamos ver os dois lados da moeda (seria isso um clichê?! 🤭).

A face negativa

O uso de frases clichês em excesso pode prejudicar a eficiência da comunicação de várias maneiras. Seguem três argumentos contra seu uso:

  • Causar desinteresse nos leitores

Usar de forma repetida e excessiva frases muito “batidas” torna a leitura monótona e cativa menos a atenção dos leitores. Por consequência, isso afeta o engajamento com a mensagem e qualquer ação desejada pós-leitura.

  • Prejudicar a clareza da mensagem

Frases desse tipo têm cunho mais generalista e muitas vezes não conseguem abarcar ideias complexas. Geram textos mais imprecisos, deixando de lado detalhes que podem ser relevantes para a devida compreensão da mensagem.

Podem também dificultar o entendimento por parte de pessoas que não estejam familiarizadas com aquela expressão.

  • Afetar a credibilidade do emissor da mensagem

Além disso, o uso frequente e desmedido desse tipo de frase pode causar a impressão de falta de originalidade, repertório cultural ou empenho por parte de quem escreveu, o que é prejudicial em contextos profissionais e acadêmicos em que normalmente se esperam ideias apresentadas de forma mais criativa. Então, conselho de ouro:

Se você quer reforçar sua marca pessoal como profissional que tem uma comunicação diferenciada, não use!

Gif animado de gato fazendo "sim" com a cabeça

A face positiva

Os argumentos em prol dos famigerados clichês existem, sim, sobretudo se for usá-los intencionalmente. Seu uso pode:

  • Gerar identificação

Usar um clichê de propósito em algum trecho do seu texto ou fala pode gerar identificação e senso de familiaridade imediatos, o que abre caminhos para iniciar um diálogo e despertar emoções relacionadas ao que está sendo destacado na mensagem, seja reforçando ou contradizendo argumentos ou dados que possam desconstruí-la.

  • Facilitar a veiculação e compreensão da mensagem

Justamente por estar na “boca e mente do povo”, esse tipo de frase também é facilmente compreendido por um público mais amplo, independemente da idade, nível de escolaridade, cultura ou profissão.

  • Criar um tom humorístico

Frases clichê podem ser usadas para criar humor, tornando a comunicação mais leve e divertida ou para aliviar o peso de alguma informação mais desagradável que você já disse ou ainda planeja dizer.

No caso de uso deliberado, recomendo alertar que você sabe que está usando uma frase clichê. Por exemplo, escreva: “Como nessa frase clichê…”, “Observo cada vez mais a validade dessa frase clichê…”, “Difícil não me lembrar da frase clichê nesse contexto…”, “Contrapondo à conhecida frase clichê…”.

Entretanto, mesmo sabendo dos aspetcos positivos, deixar esses chavões de escanteio ainda é a melhor opção em prol de uma comunicação mais consciente e estratégica!

Gif animado de cachorro fazendo que "não" com a cabeça

5 estratégias para identificar clichês e evitar usá-los

Importante lembrar que a escrita de um texto, idealmente, abrange várias etapas como a geração de ideias, pesquisa, seleção do que irá compor o texto, a escrita propriamente dita e talvez o mais importante — o momento de fazer o ajuste fino, ou a edição e revisão textual.

Nessa hora, saia à caça dos clichês e substitua-os por expressões mais inusitadas e cativantes. Essa reescrita será mais do que bem-vinda. Quer saber como?

1. Observe expressões que caíram na “boca do povo” ou expressões/frases que lhe soam muito familiar e comuns. Há uma grande chance de que sejam frase feitas ou clichês. O “Manual de Redação” da “Folha de São Paulo” dá uma ótima dica:

“Quando uma expressão surgir pronta e de imediato na sua cabeça, há um grande risco de que seja um clichê. Evite. Embora essas expressões sejam úteis, elas banalizam a escrita e sugerem falta de reflexão por parte do autor.” (p. 136)

Fique de olho! 👀

2. Recorra à tecnologia para identificar clichês e sugerir substituições como os assistentes de escrita Language Tool e Clarice.AI ou as inteligências artificias como o ChatGPT (Open AI) ou Gemini (Google). Depois, basta escolher a que mais lhe interessa e de preferência dar uma lapidada para não fazer “copia e cola” que sempre é uma péssima prática.

Uma ideia de “prompt” ou comando de exemplo— “Pode me dar sugestões para a frase clichê  “ Uma luz no fim do túnel”? Vejas algumas alternativas do Gemini:

  • “Rumo à solução”.
  • “Sinal de melhora”.
  • “Há indícios de melhora”.
  • “Há chance de superação”, entre outros.

Aprenda a usá-las a seu favor! Mas se não quiser trabalhar em co-criação com as máquinas, siga a próxima dica! 😉

3. Transforme você mesmo essas frases feitas trazendo seu toque pessoal de originalidade e criatividade.

Analogias, metáforas e neologismos são muito bem-vindos. E aqui reforço para você não ter medo de criá-los. Eu mesma arrisquei uma analogia para explicar o que são clichês: são como muros que separam sua mensagem da atenção e interesse das pessoas em ler o que você escreveu ou disse.🙄😄

Esclarecer tais expressões de forma simples e usando palavras sinônimas é outro recurso útil e muito válido:

  • “Pensar fora da caixa” ⇒ Explorar novas perspectivas.
  • “Enquanto uns choram, outros vendem lenços” ⇒ “Enquanto alguns enfrentam desafios, outros se destacam como visionários, criando soluções inovadoras para superar as adversidades”.

4. Cultive sua sensibilidade “linguística”, lendo muito e textos de diferentes estilos e gêneros o que ajuda a expandir seu vocabulário e encontrar formas mais originais de se expressar.

5. Escolha palavras mais específicas para descrever suas ideias em vez de usar expressões genéricas que lhe vêm à mente de primeira. Por isso mesmo é importante ampliar seu repertório linguístico!

Gif aimado do ator Dwayne Johnson dizendo "Enjoy it"

Enfim, saber o que está em jogo quando o assunto é o uso de clichês pode enriquecer sua comunicação escrita, destacando sua imagem profissional. Por isso, é fundamental explorar as inúmeras alternativas disponíveis em nossa língua para expressar suas ideias com originalidade e impacto, diferenciando sua comunicação, especialmente no ambiente corporativo.

Compartilhe nos comentários a estratégia que mais ressoou com você neste artigo. Adoraria saber sua opinião e trocar experiências! 😊📝

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Os gifs usados neste artigo são do Giphy e Tenor.

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Imagem e descrição de capa: foto de Dima Berlim Photos (Canva) de mulher preta usando óculos e blusa laranja, com cabeça ligeiramente inclinada, indicador e polegar direitos apoiando o queixo e expressão pensativa.

Vera Natale

Author Vera Natale

Sou consultora e especialista em Escrita e Comunicação Descomplicada. Ajudo empresas e pessoas a traduzir ideias e projetos em palavras fáceis de entender e comunicar no seu dia a dia, por meio de técnicas criativas.

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