Texto produzido para o perfil da “Máfia do Teatro”, no Facebook, em junho de 2017 e com base em minha dissertação de mestrado sobre o Riso. | Foto de capa Elnur Amikishiyev no Canva.
Sempre ouvi dizer que provérbios e ditados são sábios. Normalmente curtos, de autores anônimos, imutáveis ao longo dos anos refletem o senso comum de uma determinada cultura. E a manifestação do riso tem muitas similaridades com essas expressões e ditos populares.
Me arrisco até a definir, de modo breve para ficar em sintonia com o tema, que se trata de inegável fenômeno social e universal – todo mundo ri, independemente da raça, gênero, classe social, idade, profissão. Até os menos honestos riem!
Nasce muitas vezes subitamente, em um rompante, e também pode ir chegando de mansinho, aos poucos, para de repente possuir por completo o cidadão. Em geral, permanece no modo curta duração e por mais universal que seja, espelha a cultura de um determinado povo, ou conjunto de pessoas que falam a mesma língua, com costumes, história e tradições comuns.
O que não falei ainda é sobre a função de rir. Por que rimos, às vezes até sem motivo, sem controle? Não rimos apenas quando estamos alegres, rimos para amenizar momentos hostis, rimos para aliviar as tensões, rimos para nos desculpar.
O riso dos adultos é uma catarse – expurga os males, desarma tensões. É como um lampejo de clareza e abertura, nos torna muito humanos, desnudos de casca e grilhões e acaba facilitando nossa ligação com o outro ser humano, em linha horizontal, sem hierarquias, no plano terreno.
O riso dos bebês é pura ludicidade, no entanto, também tem seu papel em nada diferente – brincar e rir e se divertir para interagir e formar ligações emocionais positivas.
Há também o lado sombrio do riso. O riso para escarnecer, ironizar, se vingar, debochar.
O ser humano é assim dual por natureza, complexo e muitas vezes contraditório e não devemos julgar nossa natureza. Temos só que baixar a guarda e por uns breves instantes nos entregar ao lado bom e puro de nossa essência. O riso nos abre essa possibilidade. 🎭
Dizem que o “riso é um santo remédio”, ou o “melhor remédio”. Libera endorfinas que promovem sensação de prazer e bem-estar. Não é solução, mas remédio para nossa salutar sobrevivência em sociedade.
E não há nada de ruim em remediar já que muitas vezes somos e nos sentimos tão impotentes perante a vida, os fatos, o destino, o inexorável tempo.
E não há nada de mal em se permitir estar em catarse, em comunhão com nossa essência que não se aliena, que não se corrompe, que se regozija com o divino prazer.
Já dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902- 1987) em seu “Poema de Sete Faces” do seu primeiro livro, “Alguma Poesia”, publicado em 1930:
“Meu Deus, por que me abandonaste
Se sabias que eu não era Deus
Se sabias que eu era fracoMundo mundo vasto mundo
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima, não seria uma solução
Mundo mundo vasto mundo
Mais vasto é meu coração”.
Sem culpas, nem amarras, com toda nossa liberdade de ser, vamos rir e nos divertir! O cardápio do ano será farto e nem um pouco indigesto – Aristófanes, Plauto, Gil Vicente, Goldoni, Shakespeare, Molière e Nelson Rodrigues.😄
Nota da autora: A versão que publico nesse blog é a versão original. A versão publicada no Facebook da “Máfia do Teatro” é a versão resumida.