Conhecia a Maria Vitória faz pouco mais de um ano aqui no LinkedIn. Achei demais a frase que, na época, estava escrita no perfil dela – “Fazendo da literatura um ato de resistência”. Me lembro até hoje!
Eu sou fã de literatura e pensei com os meus botões – “Nunca imaginei encontrar pessoas falando de literatura aqui nessa rede”. Vou acompanhar de pertinho.
Com o tempo tive a grata surpresa de entender, pelos conteúdos que ela publica nas redes, o valor que é você descobrir o que te move e dar vazão à sua expressão.
Aprendi e ainda aprendo com a Maria, essa escritora empreendedora que admiro muito, que é possível viver de escrita. Também senti, na pele, como a escrita criativa pode ser um dos caminhos para esse encontro com a sua própria voz.
A escrita cura, a escrita transforma, a escrita empodera.
Como nasceu a escritora empreendedora
Maria sempre gostou de escrever e desde os sete anos isso sempre esteve presente em sua vida. Mas nunca havia cogitado seguir a jornada de escritora tanto que acabou optando por cursar serviço social na faculdade.
Durante o curso descobriu não apenas que a escrita e a mediação de conflitos eram as principais ferramentas para atuar na área, mas também percebeu o poder da palavra escrita:
“Ter me formado na área me ensinou que a escrita é a minha arma mais poderosa e que eu sou capaz de mudar a vida das pessoas através das minhas palavras”. (Maria Vitória)
No entanto, essa descoberta não foi motivo suficiente para virar a chave. Maria seguiu outros caminhos e passou, inclusive, por uma série de episódios nada confortáveis – desde o esgotamento mental em um emprego CLT na USP, em 2015, até um acidente que a impossibilitou de andar por quase um ano, sem contar os momentos de depressão.
Em sua recuperação do acidente, se aproximou ainda mais do universo da leitura e escrita que já lhe eram tão caros desde a infância. E assim que a vida voltou ao “normal”, tinha claro na sua mente e coração que não iria mais voltar ao mercado de trabalho dito convencional. Focou em estudar ainda mais e se empenhar para viver de escrita.
Força motriz
Daí para se dedicar às suas próprias regras e construir seus projetos autorais, fugindo do convencional, foi um pulo. Publicou dois zines que é uma publicação independente que possibilita escritores não famosos ou sem grandes recursos financeiros a divulgarem suas histórias no mundo.
Segundo suas próprias palavras no artigo “O que é um zine e porque você deve ficar de olho nele?” (que aliás aparece em primeiro lugar nas buscas do Google), o “termo zine veio de fanzine, aglutinação de fan [e] magazine (…) ‘revista de fãs’ “.
- Em 2018, publicou uma edição limitada de “Cuspindo um vômito quente para não afogar-me em refluxo”, que mesclava fotografias autorais e poemas;
- Um ano depois foi a vez de lançar o “Eu Fragmentada”, que reúne textos autobiográficos sobre racismo, lesbianidade, álcool, drogas e uma trajetória marcada por tentativas de suicídio.
“Ter eu mesma feito tudo nessas duas publicações e poder ter tido a chance de participar de eventos literários para falar das minhas zines representa a minha força motriz. Serve para que eu nunca me esqueça de que eu sou capaz de fazer e escrever qualquer coisa.” (Maria Vitória)
Crédito: foto de Carolina Altino.
Altos voos
A Maria de hoje é uma escritora empreendedora, apaixonada pelo que faz e plenamente realizada. Suas maiores paixões são a literatura contemporânea e Carolina, sua companheira de todas as horas e segundos e fã número um do seu trabalho.
Tem muito orgulho de sua trajetória e de duas conquistas em especial: seu próprio apartamento vivendo apenas de escrita e a construção da sua própria plataforma de educação para escritores empreendedores – o “Universo A Estranhamente”.
O que isso representa?
Além de continuar a escrever para viver, Maria também ajuda escritoras a fazerem seu próprio marketing e se tornou referência quando o assunto é marketing literário.
A ideia para esse caminho se materializou antes no bem-sucedido quadro, “A jornada da escritora independente”, publicado em seu blog. Nele, Maria compartilhava o que fazia para divulgar seus textos, suas leituras, cursos realizados, conteúdos que consumia e, principalmente, as estratégias que deram certo para ela.
Outro sonho que está no caminho de concretizar é concluir seu romance, que iniciou nesse ano. Ela acredita que em 2022 terá finalizado esse outro projeto do coração.
Crédito: Arquivo pessoal de Maria Vitória.
Como conheci mais sobre a pessoa Maria?
Eu sempre trabalhei com escrita e comunicação, e já produzi diversos tipos de textos nos lugares em que trabalhei. Mas, no fundo, sentia falta de imprimir minha digital nos meus textos.
Quando decidi partir para carreira solo, percebi o quanto eu tinha refreado esse desejo. Estava mais do que na hora de “dar mais corda” para a minha voz se soltar.
Me encantei de aprender com a Maria que a escrita criativa poderia ser aplicada na minha escrita do dia a dia. Tive chance de participar de uma oficina e me vi extremamente tocada e transformada com os exercícios propostos.
Depois, participei de um curso de poesia na plataforma dela, ministrado por uma professora convidada, e foram outras descobertas importantes. Hoje posso dizer que sou uma “estranhede”, como ela carinhosamente chama quem está ali no Universo, pertinho dela.
Vamos agora, mergulhar um pouco nesse “Universo A Estranhamente.
Com a palavra, Maria Vitória:
1. Maria, acredito que as escolhas que a gente faz refletem de certa forma nossas influências e referências. Pode comentar suas principais influências e referências e como elas contribuíram e ainda contribuem para a sua escrita?
Maria: Minha maior influência foi gerada pelos livros do autor americano, Henry Charles Bukowski. Costumo dizer que ele me salvou em diversas fases ruins da minha vida.
Por ter uma escrita crua e escrever sobre a realidade das coisas, passei a ter mais confiança em escrever sobre o mundo ao meu redor e foi isso que transformou a minha escrita na potência que ela é hoje.
2. Quando e como nasceu a ideia de criar o “Universo A Estranhamente”? E qual o seu propósito e missão com essa iniciativa?
Maria: O Universo surgiu de uma ideia antiga que eu tinha desde o começo da faculdade onde eu sentia a necessidade de poder levar o poder transformador das palavras para a vida de outras pessoas.
Como eu sou uma mulher negra que escreve, não existem muitas outras iguais a mim. A gente pode pegar as maiores referências na escrita em toda a história da humanidade e quantas mulheres que escrevem são citadas até hoje?
Eu queria ser como Carolina Maria de Jesus, mas ao invés de morrer sozinha e sem dinheiro, eu queria criar algo tão grande e surpreendente que pudesse instigar qualquer pessoa que desejasse viver de escrita a contar sua própria história.
Então, eu criei em março de 2021 uma plataforma de educação empreendedora para escritores. Através de cursos, oficinas, clubes de escrita, “workshops”, mentorias, laboratórios criativos, “masterclasses”, aulas gratuitas, rodas de leitura e palestras, as pessoas podem formar e desenvolver habilidades de escrita criativa, marketing e vendas e ter contato com diferentes formas de viver apenas de escrita.
3. O que é escrita criativa para você? E como você alimenta a sua criatividade?
Maria: Escrita criativa para mim é um vômito quente calejado onde eu posso expurgar tudo aquilo que sempre esteve preso na garganta.
Costumo observar veementemente a humanidade e me proponho a estar em movimento constante porque é isso que alimenta minha criatividade.
Sempre achei esse papo de inspiração uma grande mentira. Eu busco todos os dias criar situações em que eu possa me manter ativa, criativa e escrevendo, mesmo que for apenas uma simples vírgula.
4. Quem não é escritor de literatura também pode usar a escrita criativa no seu dia a dia? De que forma e qual a principal vantagem disso?
Maria: Com certeza Por mais que a expressão “escrita criativa” tenha surgido no meio literário e seja referenciada por diversos gêneros como: poesia, crônica, conto, ensaio, etc. Ainda assim, ela é acessível a todos aqueles que querem trazer dinamismo, autenticidade e criatividade para sua comunicação.
A melhor forma de fazer uso da escrita criativa é não se limitando à forma ou à estética. E talvez o principal, parando de se preocupar com a perfeição das coisas. (Maria Vitória)
Um post que escrevemos no LinkedIn onde expomos nossa visão de mundo é escrita criativa.
Uma legenda de Instagram onde compartilhamos uma história pessoal nossa é escrita criativa.
Tudo que é transformado num texto que expresse uma ideia de forma clara e sucinta, em que as pessoas podem escrever da mesma forma que elas falam no seu cotidiano, sem ficar preso a regras e padrões é escrita criativa. A principal vantagem de utilizá-la, principalmente para quem não é escritor, é poder transmitir uma mensagem com a sua própria voz e personalidade.
5. Qual principal dica que você daria para quem quer começar a praticar a escrita criativa, independentemente da sua área de atuação?
Maria: Esteja disposto a observar a humanidade e a sair da sua zona de conforto.
Se quiser realmente ganhar a atenção das pessoas e tocar o coração de alguém, é preciso ficar sedento para observar os trejeitos, as vozes, os diálogos, a maneira de andar e de pensar das pessoas.
É acima de tudo se permitir começar todos os dias um texto do zero e talvez passar horas encarando a folha em branco sem se auto boicotar; é não querer desistir sempre que seu texto não sair do jeito que você desejava.
Consumir conteúdos que você não está acostumado e travar debates vorazes entre a sua própria mente sobre coisas que você discorda ou até odeia também vão te ajudar a expurgar seus sentimentos e pensamento mais conflituosos e sombrios.
Com o tempo, você irá perceber que a escrita criativa se tornará uma extensão sua e tudo o que você passar a escrever. Sairá com tanta naturalidade que qualquer um, em qualquer lugar poderá ouvir a sua voz através dos seus textos.
6. Qual sua relação com a palavra escrita, “amor ou guerra”? Explique o(s) motivo(s).
Maria: Amor é resiliência e guerra é resistência.
Passei anos da minha vida nesse embate até entender que ter me aceitado como escritora e, depois de muito tempo, ter percebido que eu era inteligente sim é que me permitiram resistir ao invés de existir de verdade.
A única coisa que eu estava fazendo, ao longo dos anos, era travar guerras internas e carregar grilhões invisíveis, que só me deixavam mais distante de explorar as minhas próprias capacidades,
Por isso, hoje eu colho o amor resiliente que eu aprendi a cultivar em mim e não me julgo tanto a respeito das guerras que travei com o meu passado na tentativa de construir a minha história. (Maria Vitória)
7. Se você tivesse que conversar com um(a) escritor(a) qual seria, por qual razão e o que você gostaria de falar ou perguntar a ele(a)?
Maria: Eu gostaria de conversar com o Bukowski para perguntar pra ele porque escrever dói e é tão solitário.
Queria dizer que realmente escrever em cima de uma mesa suja de boteco deixa o texto muito mais verdadeiro e as palavras saem como um jato.
Queria contar baixinho no ouvido dele que seus livros já me tiraram de depressões profundas e trouxeram um pouco de luz, mesmo naqueles momentos em que eu passava dias e mais dias trancada num quarto escuro sem deixar que um único feixe de sol ou esperança entrasse em minha vida.
Dicas da Maria Vitória
Livro
Clique aqui para saber mais sobre o livro
Filme – Her [Ela]
Documentário – Morro dos prazeres
Site – Publishnews
Música – Favela Vive part.3
Perfil no Instagram – Two Lost Kids
Frase ou palavra que a inspira
“Põe no papel tudo o que sente, mas tira da mente o que te perturba”. (Maria Vitória).
Espero que você tenha curtido essa entrevista com a querida Maria Vitória.
Acompanhe a Maria para se inspirar e aprender, assim como eu! 😉
No LinkedIn é só clicar em Maria Vitória. Ou acesse seu site; ou outros perfis da Maria nas seguintes redes: Instagram; Telegram e YouTube.
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Esse foi o 2º episódio da minha série de entrevistas “Com a Palavra”, originalmente publicado no LinkedIn.
Imagem de capa: imagem do arquivo pessoal de Maria Vitória, editada no Canva.
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Confira as entrevistas anteriores da série “Com a palavra”
#1 Vanessa Cioffi – “Saiba como o autoconhecimento pode te ajudar a se comunicar melhor”
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