Tem textos que mexem com a gente, parecem um abraço. Mas onde mora o segredo de escrever textos que geram essa conexão com o leitor?
Essa é uma pergunta frequente e tem muita informação na web, seja de escritores famosos ou não, de mentores de escrita, sites especializados e por aí vai. Mas, muitas vezes, parece que quanto mais você lê a respeito ou procura aprender, menor a vontade de escrever ou maior a distância para conseguir escrever um texto conseguir escrever um texto assim, não é?
Nesse artigo, eu não vou apresentar uma receita mágica para solucionar isso, até mesmo porque não acredito em fórmulas prontas. Vou compartilhar dicas com base na minha experiência e que podem ser úteis para você perceber que escrever textos que geram essa relação não é um bicho de sete cabeças.
Minha maior inspiração para escrevê-las foi uma das minhas paixões que é cozinhar. Eu até falei disso, em um artigo sobre “Meus bastidores – sobre influências, repertório e aprendizados de escrita criativa.
Então, minhas dicas têm como ponto de partida essa analogia entre escrever-cozinhar. Ou seja, eu juntei “a fome com a vontade de comer”, como se diz popularmente. 😄
O principal é te mostrar que não se dissocia o lado profissional do pessoal. A minha relação com a escrita e o meu processo de escrever estarão sempre impregnados da minha história e das minhas paixões e com você isso também não é diferente.
Vamos às dicas!
Crédito: Giphy
1. Foco e concentração
Na hora de preparar um alimento, você tem que estar ali por inteiro, de corpo e alma, para que tudo saia de modo certo e você não se machuque, se cortando com uma faca, se queimando no fogão ou queimando o próprio alimento.
E é muito importante se dedicar àquele momento, estando presente do início ao fim do processo e sabendo esperar até que tudo fique pronto e no ponto certo.
Mas o que é foco e concentração?
Para mim, foco tem a ver com escolha, ou seja, onde você decide depositar sua energia e atenção.
Concentração é a habilidade de se manter atento, por um determinado período, no foco escolhido. Está relacionada com tempo de permanência e aprofundamento da atenção.
Ou seja, na hora de escrever, conseguir ter foco e concentração ajuda a garantir uma boa construção do texto. Pois, esses dois “elementos” ajudam a canalizar sua melhor energia, abrindo espaço para você ser mais produtivo o que acaba trazendo mais qualidade para a sua tarefa, no caso a produção do texto.
Algumas alternativas do que fazer:
- Respirar fundo acalma e traz a mente para o momento presente, ajudando a melhorar seu foco e concentração.
Experimente essa técnica: inale ou inspire o ar pelo nariz, contando mentalmente até 3-4. Depois, solte ou expire pelo nariz no dobro do tempo, no caso contando até 6 ou 8. O importante é soltar o ar no dobro do tempo em que você inspirou. Isso tem efeito sedativo.
- E você pode também tocar o “play” na sua música favorita para se conectar com aquele momento. Olhe só como a cantora Gretchen faz!😅
Descubra o que é melhor para você!
Crédito: Tenor
2. Planejamento e organização
Ter um planejamento prévio desde o que você vai preparar e para quem até a compra dos ingredientes, organizar de que forma você vai preparar o prato, os utensílios que vai usar ajudam muito no processo de cozinhar.
Sabe quando você vê um programa de culinária e na bancada de quem vai cozinhar já tem todos os ingredientes picados, medidos, os utensílios à mão para preparar uma determinada receita?
É o tal do “mise en place”, termo de origem francesa, que significa “colocado no lugar” ou “posto em ordem”.
Então, gastar seu tempo em saber para quem você vai servir a comida, planejar o que você vai cozinhar e se organizar para isso já é meio caminho andado para o sucesso da tarefa.
Na escrita é igual. Você sai ganhando quando, antes de sair escrevendo:
- Tem um objetivo claro sobre o que você vai falar, ou seja o seu cardápio ou assuntos que você domina e os que você mais gosta de abordar;
- Se mune de dados, pesquisas e exemplos para embasar seus argumentos, ou exemplificar suas ideias;
- Sabe como vai contar a história que deseja e para quem;
- Tem um ambiente organizado à sua volta, com o mínimo de distrações possíveis. Isso contribui para que seu cérebro gaste menos energia, facilitando a realização da tarefa em si:
“Uma das maiores dificuldades ao tocar um novo projeto ou percurso de aprendizado é ter a autodisciplina necessária para persistir ao longo do tempo. E, para conquistar essa autodisciplina, uma das melhores coisas que você pode fazer é manipular seu ambiente” (Alex Bretas em “Desafio: 10 dias de hábito de aprendizagem”)
Considerar esses pontos gera mais segurança para você escrever e dá mais consistência, que está relacionada à qualidade das informações/referências usadas no seu texto.
Claro que você pode sempre escrever “quando lhe der na telha”, e optar por fazer sem se planejar, mas ter um plano com seus objetivos definidos, organizar suas ideias antes é um dos caminhos que ajudam principalmente quem não se sente muito seguro na hora de escrever.
Algumas alternativas do que fazer:
- Use o método Kanban que é organizar suas tarefas em: “para fazer”, “fazendo” e “feito”. O Trello, um aplicativo para gerenciamento de projeto, se baseia nesse conceito e é uma ótima ferramenta para isso.
Mas você pode usar esse método colando post-its na parede, ou em uma cartolina que também dá certo.
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3. Seguir a receita e praticar
Se você quiser cozinhar um determinado prato, é só procurar no Google ou YouTube, ou em livros e cadernos que você vai achar a receita desejada. Na maioria das vezes, é só seguir o passo a passo que funciona direitinho.
No universo da escrita também há receitas para seguir. Nesse caso, prefiro chamar dicas ou técnicas, que, em geral, servem de norte.
Por trás de qualquer conteúdo bem escrito há sempre:
- Uma linha narrativa coerente, ou uma história com começo, meio e fim;
- Um texto gramaticalmente correto;
- Um texto sem repetições de palavras ou ideias, o que contribui para a clareza.
Mas seguir a receita não é algo que vá te engessar. Muito pelo contrário.
Sabe na família, quando você se lembra de um prato de uma tia querida? Aquilo que já se tornou referência na família.
Em algum momento, ela seguiu à risca a receita do prato e fez tanto, que hoje, muito provavelmente, já nem segue a receita de tanto que a praticou. E o resultado continua tão bom ou melhor.
A analogia vale para a escrita e qualquer outra atividade. Você só vai se tornar bom naquilo que praticar e inúmeras vezes e com o tempo, você acaba sendo autoridade no assunto.
E por falar em autoridade, vale lembrar a frase escrita em 1945 para a editora Maxwell Perkins, do brilhante e cirúrgico escritor norte-americano, Ernest Hemingway, ganhador do prêmio Nobel e autor de “Por quem os sinos dobram”,” O Velho e o mar”, entre outros:
“The laws of prose writing are as immutable as those of flight, of mathematics, of physics” (As leis da escrita são tão imutáveis quanto as da matemática, da física e da aviação”).
Algumas alternativas do que fazer:
- Não enxergue a gramática como sua inimiga.
Se tem dúvidas gramaticais, dê um “Google”, adote uma gramática para se apoiar e resolver suas dúvidas ou siga pessoas que falam disso nas redes de forma leve. Ou ainda, use assistentes de escrita como Language Tool, Clarice.ai, que possuem plano gratuito ou instale o assistente Microsoft Editor, também sem custo;
- Leia muito para ampliar o seu repertório de ideias e inspirações;
- Entenda que, assim como na cozinha, é necessário fazer a sua parte e, reforço novamente, respeitar o tempo do processo. O seu texto não nasce pronto, assim tenha paciência de esperar pelos resultados. Se você praticar, uma hora os resultados aparecem. Lembre-se de que o apressado, come cru! 😉
4. A importância de saber fazer o básico para depois ousar
Ter a certeza de que você domina bem a execução de um prato básico e simples como o “arroz com feijão” te torna mais confiante.
É o que vai te dar segurança para alçar voos mais altos, dando asas para você depois criar e revelar a sua expressão mais genuína.
No longo prazo e com a prática, essa confiança que mencionei se transforma em confiança criativa e você consegue fazer variações sobre esse básico, ousando combinar temperos, sabores e ingredientes, trazendo à tona a sua diferenciação, ou o seu jeito próprio de fazer aquilo, ou a sua voz.
Sabe o exemplo da tia que faz um prato que já é referência na família?
De tanto que praticou e fez certo o que era para ser feito, hoje, e se ela quiser, ela tem liberdade de poder variar e fazer o prato do seu jeito, dando os seus toques especiais.
Na maioria das vezes é isso mesmo que acontece. Aposto que o prato é até batizado com o nome dela – “Lá vem o pavê da tia Fulana”.
Voltando para o universo da escrita, fazer o básico bem-feito, ou seja, “seguir a receita e praticar”, facilita alçar altos voos depois.
Nesse sentido, a escrita criativa é uma grande aliada. 😊
Falando em linhas gerais, escrita criativa é uma forma de escrever fugindo do óbvio para proporcionar ao leitor um texto interessante e cativante, com mais chances de conexão.
Como se atinge isso?
Dando asas à sua criatividade, à sua visão pessoal e entendendo que há momentos distintos no processo: o de planejar, o de escrever deixando fluir seus pensamentos e ideias e o de revisar e reescrever o que for necessário para garantir a clareza e a qualidade final do texto.
Ou simplesmente “deixe suas ideias voarem” como diz o inspirador David Kelly, empresário americano, fundador da empresa de design IDEO e professor da Universidade de Stanford. Nesse vídeo curto, ele fala sobre como estimular a sua confiança criativa que não é dom, mas uma habilidade natural do ser humano. Confira!
Alternativas do que fazer:
- Treine, treine e treine e se possível todos os dias;
- Não desista, mesmo quando o “caldo entornar” (quando algo ficar ou parecer complicado)!
5. Cuide da sua intenção
Os alimentos se transformam na cozinha e mais do que cumprirem seu papel de nutrir o corpo eles também nutrem os sentidos. Representam uma troca de afeto entre quem faz e quem recebe.
Na escrita você também tem esse poder de transformar as palavras para além do papel mais pragmático de só informar.
Você pode usar as palavras em narrativas ou histórias que trazem inspiração, alimentam e tocam os sentimentos dos leitores, gerando vínculos que perduram.
Gosto sempre de lembrar que “comunicar”, vem do latim e quer dizer “tornar comum”. A comunicação escrita aí se inclui. Isso significa que escrever para alguém tem a ver com compartilhar algo para o outro da mesma forma que, em geral, se faz quando se cozinha.
Escrever tendo em mente essa intenção positiva e um olhar empático aproxima e gera o que chamo de conexões essenciais. Aquelas que importam, pois, despertam sabores, afetos e têm um inigualável poder de nutrir não só a mente, mas a alma de quem lê.
Alternativas do que fazer:
- Não tenha medo de expor e compartilhar o que você sabe, pois, falando uma frase clichê, mas cheia de verdade, “todo mundo tem o que aprender e o que ensinar”, por menor que seja a dica.
Além disso, sua história é única. Ninguém mais a viveu e isso significa que a sua perspectiva sobre os assuntos é só sua e pode causar identificação com alguém. 😊
Dicas bônus:
Seguem dica de filme e documentário que você encontra na Netflix:
- Filme “Julie e Julia” sobre cozinhar, escrever e realizar sonhos. Um filme leve e boa pedida para o fim de semana!
- Série documental “Chef’s table” sobre histórias e influências de grandes chefs de cozinha. Achei o roteiro impecável.
“No frigir dos ovos”
Sem que você perceba, as suas influências e paixões estarão sempre transparecendo no que você faz, inclusive profissionalmente.
Reconhecê-las te conecta com a sua história, que é única, e imprime autenticidade, a sua marca registrada ou a sua digital que espelha o seu jeito de ser e vai se refletir nas suas tarefas, atitudes e nos seus textos.
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Imagem de capa: foto de G-StockStudio no Getty Images/Canva.