Reportagem publicada na revista “O Mundo da Usinagem” (OMU), edição impressa n.º 117 de agosto de 2017 | Fotos de Alana Schwoelk

A conectividade é a luz que pode clarear ou ofuscar nosso caminho rumo a um horizonte competitivo. A escolha é toda nossa.

A cidade das flores e do famoso festival de dança é também um dos principais polos ferramenteiros do país, junto com São Paulo e Caxias do Sul. Não por acaso, Joinville sediou a Conferência Mundial 2017, da ISTMA – International Special Tooling & Machining Association, que aconteceu pela primeira vez no Brasil, de 28 a 30 de junho.

Organizado pela ABINFER, Associação Brasileira da Indústria de Ferramentais, o evento reuniu empresários e autoridades de 15 países para disseminar conhecimento, discutir tendências e fomentar negócios. E, principalmente, despertar o setor das ferramentarias para a necessidade de um propósito comum — estabelecer uma nova forma conjunta de atuar, local e globalmente, em prol de mais competitividade e embasada nas novas tecnologias e mentalidade inerentes à Indústria 4.0 que vieram para ficar.

Segundo Christian Dihlmann, vice-presidente da ISTMA, recém-eleito para o triênio 2017-2020, e presidente da ABINFER – Associação Brasileira da Indústria de Ferramentais, o Brasil está entre os 15 principais países do segmento e há expectativa de até 2026 consolidar o País entre os três primeiros, tornando-o um importante player mundial desse segmento.

Em seu discurso de abertura, o presidente enfatizou um dos pilares da Indústria 4.0 – a colaboração. “A ISTMA é a melhor maneira de aprendermos sobre nossas preocupações, nossas fraquezas e nossos desafios. Essencial para construir relacionamentos e aprender sobre as melhores operações praticadas no mundo. Todas as associações nacionais cooperando umas com as outras, isso não é sonho, é real”. “E como dizia John Lennon na música Imagine, ‘e o mundo será como um só’, estamos trabalhando por isso”, finalizou.

Christian Dihlmann, presidente da ABINFER e idealizador do ENAFER, sempre lutou pela maior representatividade do
setor ferramenteiro. Ao longo dos anos, seu sonho começa a se tornar realidade

Colaboração aliada a soluções de tecnologia conectadas (IoT) está na base da chamada Indústria 4.0. Towards the Future of Technology 2017 (Rumo ao Futuro da Tecnologia 2017) foi inclusive a temática que norteou toda a conferência ISTMA, abrigando sob a mesma égide outros eventos paralelos, todos voltados ao setor industrial e de serviços no contexto 4.0: o 10º Encontro Nacional de Ferramentarias – ENAFER; o Simpósio Indústria 4.0 da Associação de Engenheiros Brasil-Alemanha – VDI; o 9º COBEF, Congresso Brasileiro de Engenharia de Fabricação; e a Mostra “Pensando a próxima Geração de Escola”, organizada pela UNISOCIESC.

O presidente da ISTMA, o sul-africano Bob Williamson, ressaltou a importância da área da ferramentaria para o mundo da manufatura. “Temos uma associação mundial que abrange 20 países membros que, por sua vez, representam 8.000 empresas, com um volume de negócios combinado de aproximadamente 40 bilhões de USD”. “O [setor] ferramenteiro não é commodity”.

Frisou igualmente os valores que devem nortear os futuros trabalhos do setor. “Em essência, 60% da eficiência de fabricação de qualquer produto está diretamente ligada ao ferramental que você usa no processo. Para ganhar autonomia e ter sucesso, é preciso ter uma indústria forte, vibrante, impulsionada por talento e inovação”.

A programação do evento incluiu assuntos importantes para o mundo da manufatura e, em especial, para o setor ferramenteiro. Destaque para as palestras inaugurais que, bem alinhadas com a tônica do evento, abordaram o programa Rota 2030, do MDIC (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) e o conceito da Indústria 4.0 e seus desdobramentos no setor da manufatura e sociedade como um todo.

Marcelo Menezes Saraiva, coordenador geral das Indústrias do Complexo Automotivo, no MDCI, comentou sobre o andamento do novo programa 2030, que deve substituir o Inovar-Auto, criado há quatro anos e com término previsto para dezembro próximo. Com projeção de longo prazo, esse novo regime continuará a discutir pontos ainda não totalmente esgotados ou estrategicamente encaminhados no Inovar-auto, como os grandes desafios tecnológicos que se colocam para a indústria na próxima década. Além da defasagem entre a capacidade tecnológica disponível e a ociosidade da capacidade produtiva instalada no país, a atual baixa demanda por veículos e o impacto para a cadeia automotiva global com os possíveis vetos de uso de motores a combustão a partir de 2030 na Europa.

Para efetivar essa “integração competitiva” no mercado global, a expectativa é de que, com esse novo regime, o país não se dedique apenas a fabricar/montar veículos, mas possa ser um polo de tecnologia embarcada, para gerar soluções de mobilidade e logística, e assim se inserir de vez na rota tecnológica e de negócios globais desse “novo futuro” totalmente conectado.

O que esperar do futuro?

A palestra “Ferramentaria de classe mundial em direção à Indústria 4.0” do professor doutor Jefferson de Oliveira Gomes do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), atualmente Diretor Geral SENAI Santa Catarina, trouxe à tona de reflexões de peso sobre as inúmeras mudanças que aconteceram somente nesses últimos 200 anos de história da humanidade; como os novos desenvolvimentos tecnológicos impactam o processo evolutivo da sociedade; que benefícios ou alerta nos trazem e ainda vão nos trazer e, o mais importante, numa velocidade gigante.

Para o diretor, em um planeta de mais de 7 bilhões de habitantes e que tende a crescer cada vez mais, ainda estamos vivendo o processo da revolução industrial. “(..) falar que é a 1a, 2a, 3a ou 4a revolução industrial não importa. Importa que estamos em um processo evolutivo, numa exponencial e consequentemente nossas tecnologias serão exponenciais, num curto espaço de tempo. Quantos aqui na sala poderiam imaginar que, enquanto eu estou dando minha palestra, vocês poderiam estar, ao mesmo tempo, passando mensagem para outra pessoa, por meio de um aplicativo? Isso é revolução…essa conectividade. Estamos preparados para isso?”, questionou.

O fato é que teremos cada vez mais pouquíssimas certezas e nem por isso devemos nos paralisar, ou resistir, nos apegar a velhos conceitos, hábitos e paradigmas, já que as mudanças acontecem e continuarão a acontecer em um ritmo constante e frenético. Um problema, porém, é que essas tecnologias não estão chegando na mesma velocidade para as empresas e, no entanto, já “ditam” novos modelos de negócio e de trabalho e influenciam todo um comportamento social, como explicou o professor.

São as tecnologias chamadas de curto prazo, disruptivas, que rompem paradigmas, e vêm acompanhadas de uma nova mentalidade também disruptiva – clamando por tempos de resposta mais rápidos e uma outra maneira de enxergar e de lidar com as demandas.

O docente também discorreu sobre as grandes mudanças que assistimos no universo das ferramentas de corte e das máquinas-ferramentas. “A máquina inteligente é capaz de dizer ao operador quando ela precisa de processos de manutenção, quando há sobrecarga, monitora a eficiência energética e do processo em si”, sintetizou.

Por sua vez, a ferramenta inteligente, munida de sensor, é também capaz de informar dados de temperatura na zona de corte, monitorar o desempenho da usinagem em tempo real. E como acompanhar tudo isso se não conhecendo e estudando essas novas funcionalidades e características? “O fato é que temos muito a navegar em tecnologia, mas o conhecimento é fundamental. Quem não estuda, não vai para frente. Não há estratégia de corte capaz de ser bem-sucedida contra a ignorância do processo de fabricação. Então conhecimento humano é uma das coisas mais importantes”. “O que não é commodity é a inteligência”, enfatizou Jefferson Gomes.

Para o professor doutor Jefferson de Oliveira Gomes do ITA e diretor do SENAI-SC, a maior revolução é a da conectividade

Os desafios do profissional 4.0

Para o diretor, os robôs não vão ameaçar o nosso trabalho, e sim fazer o trabalho degradante, perigoso e vão estar cada vez mais imbuídos de inteligência artificial. “Muitas profissões vão cair, mas também outras vão surgir”, complementou. E as habilidades técnicas não vão ser as mais importantes nas futuras contratações. Habilidades comportamentais terão mesmo peso ou até mais.

“Nosso problema hoje é básico, é muito básico. De 52 milhões de jovens somente 16% de nossa população vai terminar fazendo curso superior. Aproximadamente 40% da população vai terminar com curso ensino nível médio. E, no entanto, 89% dos nossos jovens têm smartphone”.

Outro agravante é que a área da manufatura parece sofrer um pouco mais. O futuro gap de mão de obra qualificada, já estudado e anunciado na mídia há um tempo, parece só se consolidar. “Quem hoje quer fazer o curso de ferramenteiro? Quem é que quer fazer curso técnico?”, indagou Jefferson Gomes.

    A UNISOCIESC organizou a “Mostra do Futuro – um novo conceito de educação”. Aprender sobre manufatura aditiva e realidade virtual vão,cada vez mais, fazer parte dos currículos escolares

Questões como atrair as novas gerações, os nativos digitais, para o mundo da indústria e re-educar os atuais profissionais da indústria a trabalhar de forma conectada e colaborativa, no inevitável contexto 4.0, são certamente uns dos grandes desafios da indústria da manufatura em geral.

No entanto, algumas ações, por pequenas que sejam, são factíveis e possíveis no curto prazo. Divulgar conhecimento, desmistificar o que parece complexo. Criar novos modelos de educação, intensificar os cursos EAD (Educação a Distância) que funcionam sim e por aí vai.

O conceito 4.0, de forma muito sucinta e simplória, é nada mais do que fazer as máquinas conversarem entre si e com os homens que as operam. Segundo, o estudioso, não há necessidade de se investir em altos equipamentos, em robôs, pois é possível “modernizar” uma fábrica com sensores químicos e elétricos simples, eficazes e baratos.

No final das contas, o evento nos deixa alguns alertas claros. Cada vez mais, especialmente nesse mundo ultra conectado, a relação entre as empresas e seus fornecedores será balizada pelo posicionamento de mercado que se escolher ter — comprar preço, ou comprar produto de alto valor agregado? Se isolar? Ou se conectar com o mundo? Se apegar a velhos paradigmas ou se abrir para novos?

E para ter os produtos de alto valor agregado, não basta mais desenvolver e/ou adquirir as mais recentes tecnologias de produção: é preciso saber usá-las de outras formas, rever processos, criar um novo modus operandi. Indo além, é necessário investir no capital humano, que sempre fez e ainda fará a diferença e vai fazer a roda girar. Pois tudo muda, mas o que não muda é que o ser humano e seu conhecimento são peças vitais de toda essa nova engrenagem.

Ferramentarias à prova, na visão da Sandvik Coromant

Silvio Bauco, supervisor da engenharia da Sandvik Coromant, que ministrou o minicurso “Soluções Conectadas para a usinagem 4.0”, também acredita que conhecimento é a chave desse novo momento. “A tendência é ter cada vez mais produtos exclusivos que vão demandar um volume maior de moldes e matrizes customizados. Então, o conhecimento aliado à capacidade de adaptação/flexibilidade e o tempo de resposta devem ser mais rápidos e quem não estiver preparado, não vai sobreviver. Poder divulgar esse conhecimento é fundamental para o caminho rumo à manufatura 4.0, afirmou.

Gustavo May, supervisor regional de vendas da Sandvik Coromant, vê como muito válida a participação no evento, sobretudo pela forma como foi estruturado, o que colaborou para conscientizar o público sobre as tendências e o que precisamos fazer para não ficar para trás.

“A ISTMA reuniu vários eventos paralelos como os patrocinados pelo COBEF e VDI, além da UNISOCIESC que expuseram temas convergentes para o contexto da Indústria 4.0, que está no radar de todo mundo”. Para May, concentrar em um mesmo local e em uma mesma semana, vários players da cadeia de moldes e matrizes, fornecedores, clientes e a academia, foi também importante não apenas para a região, mas para o segmento como um todo. “Um meio de conscientizar sobre a realidade em que estamos vivendo e a necessidade premente de se reinventar”, reforçou.

O ponto alto, complementou o gestor, foi poder conhecer mais a fundo, especialmente nos fóruns de discussão, as mudanças que estão acontecendo nesse mercado de moldes e matrizes – todas as ondas de terceirização; a busca de materiais em outros lugares do mundo; a importação de matrizes e as novas necessidades dos clientes, principalmente os da cadeia automotiva, grandes consumidores de moldes e matrizes.

Mudanças essas que fazem surgir novas demandas em relação aos fornecedores e, consequentemente, geram maior pressão, sobretudo nas ferramentarias regionais que ainda precisam acelerar o passo para se atualizar com as novas tendências e mentalidade 4.0.

“Observamos que na contramão da tendência de outsourcing de alguns anos atrás, muitas montadoras já estão fazendo investimentos altos, realmente expressivos, para re-internalizar os serviços das ferramentarias. Estão buscando alternativas para uma melhor prestação de serviços, uma melhor entrega, enfim determinando novos parâmetros competitivos para seus fornecedores poder atender aos seus próprios padrões e critérios de qualidade, já que a cadeia do Brasil em alguns momentos não os atende”, refletiu.

Vera Natale

Author Vera Natale

Sou consultora e especialista em Escrita e Comunicação Descomplicada. Ajudo empresas e pessoas a traduzir ideias e projetos em palavras fáceis de entender e comunicar no seu dia a dia, por meio de técnicas criativas.

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