Sabe quando você precisa ter uma conversa com alguém e fica adiando? E daí quando chega a hora, você se atrapalha, não coloca seus pontos com clareza, o outro não te entende, você fica frustrado, e o que era pra ser resolvido, fica ainda pior?
É a tal da conversa difícil e quem nunca teve uma que levante a mão!
Essa situação é mais comum do que se imagina e acontece tanto no mundo corporativo quanto fora dele. Posso dizer que onde tem comunicação tem o risco desses mal-entendidos, frustrações ou os chamados ruídos de comunicação.
Será que tem jeito de resolver? Para a nossa convidada da vez, a querida Patrícia Capeluto tem jeito sim!
Como ela mesma diz, “mudar da certeza para a curiosidade” é um dos caminhos e, por sinal, um dos mais preciosos e libertadores, que aprendi com ela.
Passou a ser minha frase de inspiração ou mantra quando o assunto é comunicação.
Crédito: arquivo pessoal da Patrícia Capeluto.
A comunicadora
Patrícia é carioca da gema e se formou em marketing com MBA em gestão de negócios. Atuou por mais de vinte anos no mundo corporativo, inclusive como gestora de diversos times.
Como ela mesma diz, por ser uma boa observadora da vida, já logo percebeu que a comunicação tinha um impacto direto no ambiente e no estado de ânimo das pessoas, e, consequentemente, na produtividade e resultados esperados. E não parou por aí.
Fora do ambiente corporativo, o mundo das relações humanas com seus encontros e desencontros também passou a intrigá-la cada vez mais e perguntas como “por que as conversas se tornam difíceis?” ou “por que tememos falar sobre nossos incômodos?” passaram a fazer parte de seus pensamentos recorrentes
Mas, saber que precisava ter empatia na comunicação parecia não ser suficiente para tornar os diálogos mais fáceis, na prática. Quando decidiu fazer uma transição de carreira mergulhou fundo no universo da comunicação não-violenta, nas metodologias de negociação e de gestão de conflitos em busca de algumas respostas.
Suas maiores inspirações e referências desse novo mundo, que se descortinou para ela, são nomes “peso-pesado” que ela recomenda de olhos fechados para quem quiser ter boas ideias e aprendizados sobre comunicação. Uma minicuradoria:
- Marshall Rosenberg que sistematizou a Comunicação Não-violenta;
- William Ury, cofundador do Projeto de Negociação de Harvard;
- Brené Brown, palestrante TEDx conhecida por seu livro “A coragem de ser imperfeito”;
- Victor Frankl, neuropsiquiatra fundador da Logoterapia e professor de diversas universidades como Harvard. Ficou conhecido por seu livro “Em busca de sentido” que narra sua experiência em campos de concentração nazista.
De lá para cá, construiu uma carreira voltada para “ajudar pessoas a se expressarem e negociarem de forma mais confiante e assertiva; a terem mais coragem e recursos para falarem do que é importante para elas, seja na vida pessoal ou profissional, diminuindo assim o sofrimento e os desentendimentos nas relações”.
Se tornou mediadora judicial de conflitos no CEJUSC CAPITAL/RJ, e exerce uma de suas paixões que é ensinar: seja como palestrante, nas aulas de MBA ou no “programa de soluções corporativas” do IBMEC; como professora convidada da Fundação Dom Cabral e do SEBRAE, ou em seus programas de mentoria e treinamentos “In Company”.
Segundo ela, sua formação na área de marketing e negócios a ajudou a ter um olhar mais focado em impactos e resultados. Como ela faz isso?
“Busco levar conhecimento para as pessoas através de um discurso de impacto (para que prestem atenção nele). E calibrar esse discurso numa linguagem que faça sentido a cada um que me ouve (para um resultado mais efetivo).” (Patrícia Capeluto)
Na prática, isso significa que a Patrícia se dedica a fazer com que as pessoas despertem sua própria curiosidade e atenção para quando estiverem se comunicando, saindo do patamar das certezas e julgamentos, para uma real curiosidade pelo que o outro tem a dizer e que é diferente de você.
O principal para ela é que as pessoas tenham cada vez mais “consciência das armadilhas em que caem ao se expressar para que tenham a possibilidade de evitá-las.” Isso acaba revertendo em mais entendimento e menos desgaste.
Hoje, é treinadora especialista em comunicação, negociação e gestão de conflitos e se sente realizada de poder trabalhar com o que ama e faz tanto sentido para ela.
Em 2020, o seu brilho ganhou o mundo. Ela se tornou palestrante TEDx. Confira!
Conexão de primeiro grau
Eu conheci a Patrícia no evento on-line em que fomos palestrantes, o “Cariocas em rede” (edição de 2020), idealizado pelas queridas Priscilla Couto e Quezia Souza.
Eu fiquei encantada pelo seu carisma e clareza para falar de um assunto que me fascina que é a comunicação. Já logo solicitei conexão no LinkedIn e passei a acompanhar o seu trabalho em outras redes.
Daí para ser uma mentorada dela não precisou muito. Me identifiquei de cara não apenas com o assunto em que ela é especialista, mas também com a sua proposta de trabalho focada no bom humor, simplicidade e objetividade. Três ingredientes que valorizo muito e que foram uma influência mais do que bem-vinda para minha proposta da escrita e comunicação descomplicada.
Foram momentos intensos em que tive chance de ficar mais próxima da Patrícia e uma lição que guardo para a vida foi descobrir, por intermédio dela, que a comunicação não-violenta também pode ser praticada com a gente mesmo.
De nada adianta você ser gentil com o outro se não é gentil primeiro com você mesmo. O “pulo do gato” que aprendi aqui é que quando você se conscientiza de que tem responsabilidade por suas ações e sentimentos, você acaba se relacionando melhor com o outro. Comprovo isso a cada dia!
A mentoria acabou, mas nossa conexão não!
Sigo aprendendo com a Patrícia que traz sempre em seus conteúdos, não apenas seu conhecimento, mas a sua “humanidade compartilhada”, como ela mesma diz, e de forma muito leve – seja seu amor por gatos e cachorros; sua conexão com a natureza; seus momentos de incertezas e vulnerabilidades ou a valorização de bons e simples momentos que a vida traz como a chance de preparar um simples e bom risoto.
Outra frase da Patrícia que “grudou” em mim é quando ela fala que na comunicação “não é sobre o que é certo ou errado. É sobre o que é importante para cada um”. Vamos ver o que é importante para ela?
Com a palavra, Patrícia Capeluto:
1. Por que muitas vezes é tão difícil se comunicar e ser entendido no nosso dia a dia? A que você atribui isso?
Patrícia: Nossas histórias, nossos pontos de partida, nossas experiências, nossas percepções são diferentes. Embora pareça óbvio, não percebemos como isso traz ruído em nossas relações. E temos pouca disponibilidade emocional para conhecer o mundo do outro. Se é um mundo diferente, ou um mundo que nos incomoda, fechamos o canal de escuta.
Também caímos em algumas armadilhas quando nos comunicamos. Temos certezas e verdades absolutas, e queremos a todo custo, afirmá-las; deduzimos as intenções das pessoas sem perguntar a elas se aquilo é mesmo real; atribuímos culpa aos outros sobre os problemas que acontecem nas relações. E pra completar, temos uma estrutura de fala, que, em geral, julga, critica, culpabiliza e rotula o outro.
Qual a chance de um diálogo saudável assim?
2. Para você, o que é se comunicar com assertividade? Por que isso é importante e quais as principais dicas para atingir isso?
Patrícia: O Google diz que “Ser assertivo é ser firme e direto sem sentir ou causar constrangimentos. É uma capacidade de se afirmar de maneira clara, objetiva e transparente, sem delongas.”
A definição está lá, para quem quiser ver. O que não significa que ela está ajudando a tornar as falas mais assertivas. Essa definição faz as pessoas se concentrarem na forma de falar. E as dificuldades nos diálogos, antes de aparecerem na forma, aparecem nos pensamentos das pessoas. Focar na forma, isoladamente, não sustenta uma conversa difícil.
“A CNV, dentre tantos benefícios, traz uma das estruturas mais assertivas que conheço, pois, possibilita você observar os fatos que acontecem (sem julgamentos nem interpretações) e dizer como se sente a respeito deles.
Permite que você identifique o que é importante para você naquela situação e faça pedidos claros e objetivos, de tal maneira que, mesmo numa conversa difícil, a pessoa que te ouve tenha mais disponibilidade de escuta e uma maior compreensão do que está acontecendo ali.” (Patricia Capeluto)
Na CNV, a forma é uma consequência. O movimento mesmo, é basicamente dentro da gente.
3. Patrícia, uma das coisas que mais me encantou na CNV e que aprendi contigo, é que essa ferramenta pode ser aplicada conosco em primeiro lugar. Pode explicar como isso funciona?
Patrícia: Quero aproveitar que você usou a expressão “ferramenta” para definir a CNV e te convidar a trocá-la por “revolução interna” que ouvi outro dia e define melhor a profundidade que é a CNV.
A CNV tem três pilares: a autoconexão/auto empatia, a empatia (a conexão com o outro) e a honestidade (a expressão para o outro). Só de olhar para os pilares dá pra perceber que o buraco é mais embaixo, né?
“É muito difícil você se “comunicar bem” e ser empático com o outro sem estar fazendo isso por você mesmo. Não se sustenta. Isso seria “violento”. Como você cuida da relação com o outro e não cuida da sua relação consigo mesmo?
A CNV é um caminho de autoconhecimento.” (Patrícia Capeluto)
Possibilita sermos menos duros conosco, termos mais autocompaixão, entendermos nossas necessidades e cuidarmos delas. Nos permite entender o porquê agimos como agimos, a raiz de nossos pensamentos e ações, para assumir a responsabilidade por elas e também por nossos sentimentos.
4. Por que você decidiu se especializar em conversas difíceis, negociações e na CNV?
Patrícia: O comportamento humano sempre me fascinou. Quando comecei a estudar esses temas, me reconheci em todos os equívocos que as pessoas cometem ao dialogar, ao negociar, na forma como pensam sobre o outro e sobre as situações. Erramos sem saber que estamos errando.
A tomada de consciência e as novas possibilidades que esse tema me trouxe, eu decidi multiplicar em aprendizado e levá-lo para as pessoas. Mudou minha vida e facilitou minhas relações e negociações. Acredito totalmente nos benefícios desse conteúdo, da abordagem e da prática.
5. Vamos falar um pouco sobre negociações. Qual a importância de aprender a negociar, Patrícia? Quais os principais ingredientes para ter uma negociação em que as partes envolvidas saiam satisfeitas?
Patrícia: O verbo da negociação é o verbo “querer”. Quando queremos algumas coisas e a outra pessoa quer outras, precisamos negociar para encontrar possibilidades de entendimento e acordos.
Tem pessoas que têm resistência à negociação, não gostam. Mas isso não ajuda em nada, pois negociamos todos os dias, nos mais diversos cenários. E se não nos prepararmos para isso, possivelmente negociaremos com pessoas que terão se preparado. Qual a vantagem de não se abrir a esse aprendizado?
“O olhar que eu trago para a negociação é o mesmo que eu trago para a comunicação e a gestão de conflitos: para facilitar com que você tenha seus interesses entendidos e atendidos, é fundamental estar curioso em conhecer o mundo do outro e entender quais são os interesses dele, o que é importante para ele.” (Patrícia Capeluto)
Uma negociação colaborativa foca nos benefícios mútuos. Claro que tem uma série de técnicas racionais e estratégicas no processo de negociar, mas o próprio Projeto de Negociação de Harvard fala: só funciona se você usar o coração.
6. Patrícia, na comunicação escrita eu não tenho o tom de voz, a expressão facial ou a linguagem corporal que ajudam a expressar as emoções. Por isso mesmo, há muitos mal-entendidos. Que dica você daria para evitar esse tipo de desencontro?
Patrícia: A dica que eu daria é: não tenha conversas importantes por escrito.
Você pode tomar essa decisão antes de ter a conversa e já combinar uma ligação para tratar do assunto, ou se no meio da troca de mensagens, você perceber ruído, interrompa e pergunte se pode ligar, abrir a câmera etc.
Explique que o assunto (ou a relação, ou o projeto, ou a empresa, ou a pessoa) é tão importante que você quer zelar para que não haja ruído.
7. Qual o pulo do gato para fazer a diferença na nossa comunicação, Patrícia?
Patrícia: Seria simplista eu trazer um único pulo do gato. Após esses anos todos de estudo e aprofundamento no tema, posso elencar uns 4, que são onde me ancoro quando a coisa fica difícil, quando a comunicação trava, ou quando a temperatura emocional está mais alta.
Todos eles são ações de pensamento, são perguntas que eu mesma me faço que me levam ao eixo novamente e me trazem clareza.
Vou trazer apenas um, que já mencionamos anteriormente:
“Eu verifico se estou curiosa para compreender a história do outro ou se estou preocupada em afirmar minhas certezas. E a partir disso, eu percebo que tem pontos da situação que eu não conheço e me torno mais disponível para ouvir o outro. A curiosidade é um estado de espírito que constrói pontes.” (Patrícia Capeluto)
8. Qual sua relação com o mundo da comunicação, “amor ou guerra”?
Patrícia: Amor ou guerra, bom ou mau, forte ou fraco. Eu sempre brinco dizendo que “não trabalhamos com certo e errado por aqui”.
“Acredito que exista um caminho do meio, um caminho cheio de possibilidades para uma comunicação bacana. Para isso acontecer, escolhi me relacionar a partir da curiosidade.” (Patrícia Capeluto)
9. Se você tivesse que conversar com um(a) escritor(a) qual seria, por qual razão e o que você gostaria de falar ou perguntar a ele(a)?
Patrícia: Podem ser dois? Eu ficaria horas conversando com o Marshall Rosenberg – CNV (se ele ainda estivesse por aqui) e também com o William Ury – Harvard (esse ainda tenho chance). Eles são a fonte primeira do conhecimento que compartilho. Não penso numa pergunta específica a fazer, mas gostaria de ouvir histórias deles. Sobre as dificuldades com esses temas e o que eles fizeram a partir delas.
Dica da Patrícia
Link para saber mais sobre o livro
Frase ou palavra que a inspira
“Não falar sobre as coisas não significa que elas não existam.” – Arnina Kashtan
Espero que tenha gostado da entrevista com a querida Patrícia!
Acompanhe os seus conteúdos e caso queira receber uma mentoria ou consultoria para tornar seus diálogos mais fáceis de conectarem com o outro, é só falar com ela! 😉
No LinkedIn, é só clicar em Patrícia Capeluto. Ou acessar seu site, perfil no Instagram ou YouTube.
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Esse foi o 4º episódio da minha série de entrevistas “Com a Palavra”, originalmente publicado no LinkedIn.
Imagem de capa: imagem do arquivo pessoal de Patrícia Capeluto, editada no Canva.
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Confira as entrevistas anteriores da série “Com a palavra”
#1. Vanessa Cioffi – “Saiba como o autoconhecimento pode te ajudar a se comunicar melhor”
#2. Maria Vitória – “Conheça o poder transformador da escrita”
#3. Esdras Pereira – “Quando as palavras tocam o leitor e “não voltam vazias”
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