Muitas pessoas têm curiosidade de saber como é o meu processo de escrita e para responder a essa questão eu tenho que falar de uma das principais influências que recebi e como isso impactou a forma de eu escrever e construir meu repertório.

Eu poderia falar da influência do meu professor de português do hoje chamado ensino fundamental, o Antônio Lellis, que entrava em sala declamando poesia; ou do grupo de teatro de adolescência e da nossa diretora Célia Alves, que se tornaram amigos queridos, e com quem aprendi sobre leitura dramática, incluindo as clássicas peças gregas, entre tantas outras coisas.

Ainda vou falar disso, mas começo agora pela minha maior influência que nasceu muito antes e foi na cozinha da minha casa.

Foi com a minha mãe, D. Elza, uma cozinheira de mão-cheia que sem saber influenciou e muito a forma de eu me relacionar com a escrita e a minha paixão por cozinhar e me reunir à mesa.

Inclusive, no final do ano passado e a convite da querida Fernanda Lage, participei de uma experiência muito legal.

Escrevemos um artigo, a quatro mãos, em que tanto eu quanto ela, falamos dessa nossa paixão pela gastronomia e culinária e a escrita.

Foi uma troca rica e, naquele momento, percebi que as influências positivas que você recebe ao longo da vida marcam a sua forma de agir, seja pessoal ou profissionalmente.

Sobre influências

Segundo Sidnei Oliveira,  escritor, professor e fundador da Escola de Mentores, em seu livro “Mentoria: elevando a maturidade e desempenho dos jovens”, há duas formas de construir suas referências:

  1. Com base nas influências que você recebe da sociedade em que se está inserido. A essas influências coletivas ele chama de “cultura”.
  2. Com base no impacto de certas pessoas em sua vida e que você escolhe, de modo consciente ou não, observar e admirar e se inspirar.

Pensando no primeiro tipo de influência, vale lembrar que muitas vezes, é difícil identificar o que é seu e o que é um hábito, atitude ou comportamento com raízes na  cultura na qual você está inserido:

“Vemos que muitas vezes, somos reféns de comportamentos sociais e aderimos a eles principalmente como forma de estabelecer uma conexão com as demais pessoas, em outras palavras, como forma de sermos aceitos na sociedade que escolhemos viver.”

Obviamente, podemos escolher aderir ou não a tais comportamentos. Por isso mesmo, aprender a observar e identificar o que é “seu” e o que é o do coletivo é tão importante para, por exemplo, não ficar repetindo discursos que se tornaram banais nas redes e produzir apenas mais um texto que fala mais do mesmo.

Já o segundo tipo se dá de maneira intensa e especial, pois aí existe uma relação de respeito e confiança mútuas, em que você, mesmo sem saber, se encontra aberto, sem travas ou preconceitos, para prestar atenção a tudo o que essa pessoa faz e como faz, observando a “expertise” dela, ou aquilo que a pessoa executa melhor.

Isso traz consequências muito positivas e, ainda de acordo com Sidnei, se o impacto for grande essa influência acaba alterando profundamente suas escolhas de vida, ajudando a moldar sua forma de atuar e ser no mundo, trazendo oportunidades de desenvolvimento.

O livro adentra nessas e outras questões para explicar sobre o que é mentoria, a relação entre mentor e mentorado e eu recomendo a leitura.

Mas o motivo de eu trazer essa referência aqui é para destacar o quanto é importante reconhecer as suas influências, principalmente as recebidas de pessoas que conviveram ou convivem com você. Isso facilita descobrir a sua impressão digital, que é única, em tudo o que você faz.

Crédito: Giphy

Legenda do gif: Luminosos seres somos nós…

Primeiros aprendizados sobre escrita

As mulheres da minha família sempre cozinharam muito bem. Minha mãe não fugiu à regra.

E a comida que se fazia em casa era simples – tipo arroz com feijão bem-feito, o molho do macarrão com tomates in natura, nada de massa de tomate enlatada ou temperos prontos.

Mas, meus aniversários e dos meus primos, sempre foram um momento especial, um lugar onde o simples ganhava um certo requinte.

A família toda se reunia para enrolar os docinhos, colocar nas forminhas lindas e coloridas, organizar nas bandejas que seriam servidas depois para os vizinhos e amigos.

A movimentação da casa mudava por completo. Era motivo para muitas brincadeiras, e para roubar docinhos, lamber panelas de brigadeiro e tigelas de glacê.

Com o passar do tempo, eu e meus primos fomos crescendo e esses momentos se tornaram mais discretos, não tinha essas reuniões para enrolar os docinhos, mas sempre foram celebrados com muita alegria.

Adorava também ir à feira e ficava maravilhada com a explosão de cores, cheiros e gostos ao aceitar de bom grado pedaços de fruta que me eram dados. Era para mim um passeio divertido.

Eu tinha mais de dez anos quando minha mãe aprendeu a fazer salgadinhos, aprimorou os bolos e passou a vender esses quitutes.

Eu a ajudava e confesso que sempre com segundas intenções – a parte que me cabia era picar, amassar, enrolar, mexer, algumas vezes refogar, lavar louça e ir roubando um pouquinho do que estava sendo preparado para minha própria degustação. Ah! E dava pitaco também na decoração dos bolos. 😊

Eu já era alfabetizada e nas horas em que não estava estudando, lendo meus gibis e revistas “Recreio” ou brincando, me divertia copiando receitas para um caderno, organizando e colando os rótulos da lata de leite moça que vinham com receitas atrás e manuseando os 5 volumes de capa verde do livro de receitas da Mamãe Dolores.

Assim que ganhei minha primeira e única máquina de escrever, uma Olivetti Lettera 32 (cor de rosa, linda), aprendi a datilografar e me deliciava em transcrever as receitas.

Me sentia importante em ver nascer o texto através das teclas que eu ia comandando com cuidado para não errar. (In)felizmente não tenho mais essa máquina comigo. Doei para os netos de uma antiga vizinha minha, a D. Antonia.

Meu gosto pela escrita se ligou intimamente a esse universo da cozinha. E daí nasceu uma importante lição que hoje percebo com mais clareza:

 o quanto a minha paixão por cozinhar, que nasceu antes mesmo de eu ser alfabetizada,  acabou influenciando minha relação com o mundo da escrita, ao me mostrar um mundo praticamente infinito de combinações, criatividade, afeto e muita simplicidade.

Crédito: Giphy

O repertório  e a escrita criativa

Percebi, anos depois,  que o que mais me encantava nesse mundo era o fato de os alimentos se transmutarem e mais do que cumprirem seu papel de nutrir o corpo eles poderem nutrir os sentidos e a alma.

Cozinhar representava uma enorme possibilidade de troca genuína entre quem fazia e quem recebia. Sem contar a maravilhosa experiência de aguçar todos os cinco sentidos – visão, audição, tato, olfato e paladar – a curiosidade e a criatividade.

Fazendo um paralelo,  no universo da escrita  você também tem esse poder de transformar as palavras para além do papel mais pragmático de só informar.

Você pode transformar as palavras em narrativas ou histórias que trazem inspiração, nutrem e tocam os sentimentos dos leitores, e geram vínculos que perduram.

E ainda estimular os seus cinco sentidos e sua curiosidade para colher inspiração e referências, ou matéria-prima, para você escrever. Essa inclusive é uma das dicas que dou no meu ebook gratuito “Escrita e comunicação descomplicada: 5 dicas para escrever e se comunicar melhor e criar conexões essenciais com seu público”.

Nesse processo, também aprendi que quanto mais você conhece algo e domina o básico, mais chance de criar ou reinventar algo você tem.

Isso mesmo, aprenda a fazer o “arroz com feijão” bem-feito e isso lhe dará mais confiança para fazer o risoto.

Isso também significa que qualquer pessoa pode criar e a criatividade não é um dom. É algo natural do ser humano, mas precisa de estímulo.

Então, é necessário cultivar o hábito de alimentar seu repertório, que é sua própria coleção de conhecimentos, inspirações e ideias. Caso contrário, você pode se tornar repetitivo e não ter nada de interessante ou atraente para oferecer ao seu leitor e fazer sempre o mesmo prato e sem sal.

Além disso, isso ajuda na hora que o bloqueio criativo chegar e aqui vai uma dica:

Tem várias formas de desbancar o bloqueio criativo. Uma delas é fazer outras coisas não relacionadas ao seu trabalho, por exemplo, tomar um café, jogar conversa fora, brincar com seu cachorro ou gato, filhos ou netos, ir caminhar e até mesmo não fazer nada.

Depois de um tempo, as ideias que você cultivou no seu repertório aparecem e servem de base para você criar o que deseja.

Mas se você não tem esse repertório de boas referências e inspirações, não há momento de pausa ou ócio que vai fazer você ter uma boa ideia, pois não vai ter alimento, ingredientes ou combustível suficiente para fazer as conexões, combinações e enfim criar. 😉

Crédito: Giphy

Mas como alimentar o seu repertório?

Saindo da sua zona de conforto, o que significa basicamente ser mais curioso para ir fundo nos assuntos de seu interesse e também para aprender sobre outras esferas que não as diretamente relacionadas com sua profissão. Exemplos direto da cozinha:

  1. Querer ampliar seus horizontes para descobrir os vários tipos de arroz – branco, vermelho, negro, integral; como cultivam; se aproveitam a casca para fazer algo, etc;
  2. Saber as diferentes formas de preparar arroz: cozido, de forno, frito, bolinho de arroz, arroz doce, risoto etc.; e se há novidades nesse preparo;
  3. Experimentar fazer receitas diferentes para surpreender quem irá comer;
  4. Investigar que alimento ou bebida caem bem com arroz; que tempero é mais ou menos usado com ele;
  5. Ousar criar sua própria receita de arroz, dando o seu toque especial.
  6. Conhecer e aprender sobre outros mundos que não têm nada a ver com a culinária, mas que podem trazer ideias e referências interessantes – sobre flores, tecnologia, marcenaria, etc.

A partir dessa vivência tão íntima e profunda com o universo da cozinha, passei a construir e cultivar meu repertório dessa forma:

  • Estudando e me aprofundando mais sobre tudo o que me interessa;
  • Me abrindo a experiências diferentes que até hoje só me enriquecem de novas perspectivas e sabores e que acabam se refletindo nos meus textos escritos.

E aprendi que não há como dissociar meu lado profissional do pessoal. Eles se mesclam e formam quem eu sou.

Hoje, também sei que o repertório é um dos elementos-chave para a chamada escrita criativa, que não se restringe apenas a escrever textos literários. É possível usá-la no seu dia a dia, explorando seu fluxo imaginativo.

No meu entender, a escrita criativa é uma forma de escrever que reflete sua experiência e história que são únicas, o que acaba trazendo a sua marca registrada para o texto. E o objetivo é simples – proporcionar ao leitor um texto mais interessante e cativante.

Em 2012, Neil Gaiman, escritor britânico, fez um discurso de formatura na “University of the Arts” da Filadélfia, que ficou conhecido como “Make Good Art”. Nele, o autor menciona brilhantemente sobre essa voz única que você, eu e todo mundo possui:

“(…) Mas uma coisa que você tem que ninguém mais tem é você. Sua voz, sua mente, sua história, sua visão. Então, escreva e desenhe e construa e brinque e dance e viva como só você pode ”.

Essa foi a minha principal influência que virou uma das minhas paixões e que afetou, profundamente, minha relação com a escrita e o meu gosto por escrever. Qual a sua?

Crédito: Tenor

 

Crédito da imagem do abre: Startup Stock Photos no Pexels.
Vera Natale

Author Vera Natale

Sou consultora e especialista em Escrita e Comunicação Descomplicada. Ajudo empresas e pessoas a traduzir ideias e projetos em palavras fáceis de entender e comunicar no seu dia a dia, por meio de técnicas criativas.

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