Acabei de ler o famoso livro “Sobre a Escrita – a arte em memória” de Stephen King. Ele mescla histórias da vida dele com dicas sobre o processo de escrita e é um clássico para quem quer aprender mais sobre como escrever melhor.
O mais legal é que as dicas dele não se aplicam apenas a quem escreve ficção. Valem também para quem escreve não ficção.
Selecionei nove ideias para você aplicar na sua escrita.
1. Sobre o que escrever ou “De onde você tira as ideias?”
Uma das coisas que aflige muito na hora de escrever é sobre o que falar. Para Stephen, isso não é o problema. Ele julga ser mais importante que ter ideias, o fato de reconhecer quando elas chegam:
“(..) Não existe um Depósito de Ideias, uma Central de Histórias em uma ilha de Best-sellers Enterrados; as ideias para boas histórias parecem vir, quase literalmente, de lugar nenhum, navegando até você direto do vazio do céu: duas ideias que, até então, não tinham qualquer relação, se juntam e viram algo novo sob o sol. Seu trabalho não é encontrar essas ideias, mas reconhecê-las quando aparecem”. (pág. 36)
Achei muito lúcida a explicação. Mas, como identificar as ideias ou assuntos para escrever?
Acredito ser importante ampliar seu repertório ou bagagem, exercitando sua criatividade que é uma habilidade humana e que pode ser desenvolvida como qualquer outra.
Assim, capturar ou identificar as ideias e assuntos que irá escrever vai se tornando mais fácil com o tempo!
Crédito: Imagem acessada no site da TAG Livros.
2. Momentos da escrita
Ainda adolescente, Stephen recebeu ensinamentos valiosos do editor do jornal semanal da escola dele, John Gould, e nunca mais os esqueceu:
“ – Quando você escreve, está contando uma história para si mesmo – disse ele. Quando reescreve, o mais importante é cortar tudo o que não faz parte da história”. (pág. 53)
“Gould disse outra coisa interessante no dia em que entreguei meus dois primeiros artigos: escreva com a porta fechada, reescreva com a porta aberta. Em outras palavras, você começa escrevendo algo só seu, mas depois o texto precisa ir para a rua. Assim você descobre qual é a história e consegue contá-la direito – tanto quanto você for capaz -, ela passa a pertencer a quem quiser ler. Ou criticar (…)”. (pág. 54).
Esses trechos deixam claro alguns momentos fundamentais do processo de produção do texto:
- O momento de produção, em que é melhor ficar de “portas fechadas” para tudo e todos, ou concentrado em colocar as suas ideias no papel, ou na tela.
Segundo ele, é quando você escreve para si;
- Depois, chega o momento de revisar que implica reescrever trechos do texto para torná-lo mais fluido e gostoso de ler para o outro.
É sua chance de se desapegar do que não agrega nada à mensagem: cortar ideias e palavras repetidas, buscar sinônimos, corrigir o que for necessário para aperfeiçoar o texto e colocá-lo em circulação e assim oferecer uma experiência tão boa quanto possível aos leitores.
3. O medo de escrever
O medo de se expor às possíveis críticas e julgamentos alheios é um dos fatores que mais impedem as pessoas de escrever e publicar seus conteúdos.
O autor vai além e declara que esse medo é o que prejudica o processo de escrever, resultando em textos ruins. Também desaconselha, em muitas páginas, sobre o uso de advérbios e da voz passiva que podem parecer recursos fáceis, mas que empobrecem a força narrativa do texto.
Para ilustrar esse medo , menciona o clássico personagem da Disney – o elefantinho Dumbo que nasceu com orelhas demasiado grandes e acabou sendo ridicularizado no circo onde vivia.
Mas, dá a volta por cima, se tornando a principal atração do show, pois consegue a façanha de voar com a ajuda de um amuleto considerado mágico – uma simples pena doada por um corvo.
No desenrolar da trama, e já dando spoiler, ele descobre que não precisava da pena/amuleto para voar livremente, e expressar sua natureza única que o tornou especial.
Stephen argumenta:
“Estou convencido de que o medo é a raiz de toda má escrita. Se você escreve por prazer, o medo pode ser moderado – timidez é a palavra que usei aqui. Se, no entanto, estiver trabalhando sob pressão, com um prazo apertado – um trabalho escolar, um artigo de jornal, uma redação de vestibular -, o medo pode ser grande. Dumbo aprendeu a voar com a ajuda da pena mágica; você pode precisar usar a voz passiva ou algum desses lamentáveis advérbios pela mesma razão. Lembre-se, porém, antes de recorrer a esses artifícios, de que Dumbo não precisava da pena, a mágica estava nele”. (pág. 113)
Então, bote mais fé no seu “taco” e esqueças os artifícios ou fórmulas, e os possíveis julgamentos e críticas, que talvez nem aconteçam. Isso é uma ótima forma de desbancar seu medo e alçar altos voos.
Crédito: Giphy.
4. O valor dos livros para sua escrita
Acho que você já deve ter ouvido as ideias a seguir mais de uma vez na sua vida:
“Se você quer ser escritor, existem duas coisas a fazer, acima de todas as outras: ler muito e escrever muito. Que eu saiba, não há como fugir dessas duas coisas: não há atalho” (pág. 126)
“A leitura é o centro criativo da vida de um escritor [grifo meu]. Eu levo um livro comigo aonde quer que vá, e não faltam oportunidades para mergulhar na leitura. O truque é aprender a ler tanto de pouquinho em pouquinho como de uma sentada só”. (pág. 128).
Como não concordar? É clichê dizer que ler expande seus horizontes, mas é a mais pura verdade e é um caminho mais que possível.
Estimular seu olhar curioso, despertando para a leitura do mundo (conceito de Paulo Freire) é fundamental para aumentar seu repertório que é o combustível da sua escrita.
Crédito: Giphy.
5. Caixa de ferramentas – o básico essencial
Toda pessoa que escreve com regularidade deve ter uma caixa de ferramentas para se apoiar. Assim, poderá escolher os melhores elementos que vão fazer parte dessa construção que é escrever um texto:
“É melhor ter sempre as ferramentas consigo. Se não tiver, pode ser que você encontre alguma coisa inesperada e desanime”. (pág. 101)
“A boa escrita também vem de fazer boas escolhas na hora de separar as ferramentas com que você planeja trabalhar” (pág. 113)
As três bandejas recomendadas por ele:
- 1ª bandeja – Vocabulário e gramática
Na primeira bandeja ficam as ferramentas mais comuns como o vocabulário que ele chama de o “pão da escrita” e a gramática.
Sobre o vocabulário ele recomenda:
“Lembre-se de que a regra básica do vocabulário é: use a primeira palavra que lhe vier à cabeça, se for adequada e interessante. Se hesitar e ponderar, você vai encontrar outra palavra – claro que vai, sempre existe outra palavra -, mas é bem provável que ela não seja tão b0oa quanto a primeira, ou tão próxima do que você realmente quer dizer”. (pág. 105)
“O sentido é importantíssimo”, mas “fique realmente à vontade para levar em conta a adequação”.
Achei interessante essa dica de usar a primeira palavra que surge em sua mente. Imagino que tem a ver com seguir a sua intenção de expressão mais espontânea. 🤔
E gostei quando ele cita a importância de fazer adequações. Por isso mesmo, acho providencial usar o dicionário de sinônimos , em especial no momento de escrever com a “porta aberta”.
Nem preciso dizer que para incrementar o seu vocabulário, ler ajuda muito. 😉
Referente à gramática, que é considerada “chata” até mesmo para os falantes de inglês, língua nativa do escritor, ele anuncia (trechos da pág. 108):
“A gramática também tem que ficar na bandeja de cima da caixa de ferramentas, e não me chateie com suspiros exasperados ou argumentos de que você não entende gramática, nunca entendeu gramática, que levou bomba nessa matéria no último ano, que escrever é divertido, mas a gramática é um saco”.
“A simplicidade da construção substantivo -verbo é útil [grifo meu] – na pior das hipóteses, pode fornecer uma rede de segurança para sua escrita”.
A gramática não é apenas chateação; é a estrutura em que você se apoia para construir os pensamentos e colocá-los no papel”.
A gramática é um conjunto de regras e padrões de uma determinada língua.
Entender essas regras e saber usá-las tem fundamental utilidade para que a comunicação aconteça de forma mais fácil possível e ainda dá segurança a quem escreve.
Pois, ao escrever um texto cumprindo corretamente as normas, já é meio caminho andado para que os falantes do seu idioma compreendam a sua mensagem, com o mínimo de interferências possíveis.
Crédito: Tenor.
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2ª bandeja – Estilo
Dominar a primeira bandeja da caixa de ferramentas favorece para que você encontre o seu estilo que está na segunda bandeja.
Nesse compartimento, você vai encontrar a sua voz, seu jeito e ritmo de contar as suas histórias ou qualquer mensagem.
Stephen fala tendo em mente a construção de textos ficcionais, mas os conselhos se aplicam bem a conteúdos de não-ficção (trechos da pág. 118):
“A língua nem sempre usa gravata e sapato social. O objetivo da ficção não é a correção gramatical, mas fazer o leitor se sentir à vontade e , depois, contar uma história…Fazer com que ele esqueça, sempre que possível, que está lendo uma história. (…) Escrever é seduzir”.
“O ritmo (…) também é o resultado de milhares de horas que o escritor passou escrevendo, e de dezenas de milhares de horas que passou lendo textos alheios.”
Num primeiro momento, parece até contraditório ele ter enaltecido a gramática “na primeira bandeja” e agora dizer que isso não deve ser o objetivo da escrita (pelo menos da ficcional). 😄 Mas, se pensarmos nos momentos da escrita – o da “porta fechada” e o da “porta aberta” – é possível entender esse trecho de outra forma.
Quando você escreve de “porta fechada” você tem que se preocupar mais em expressar suas ideias, em colocá-las para fora; e menos com a forma, deixando temporariamente de lado “a gravata e o sapato social” que para mim representam muito a gramática.
Na fase da “porta aberta”, você corrige e reescreve o que for preciso.
Penso que a observação atenta de si, suas fortalezas e fraquezas, aliada à prática de escrever ajudam a encontrar o seu ritmo e estilo que é o seu jeito de elaborar e imprimir sua digital nos seus textos.
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3ª bandeja – mergulho na ficção
Nessa terceira bandeja, o incentivo é para a imersão no processo de escrever ficção, associado pelo escritor, à carpintaria que é diferente da marcenaria.
Carpinteiros constroem escadas, portas, janelas, vigas estruturais, assoalhos, ao passo que o marceneiro fabrica móveis. Tem a ver com um trabalho de estruturação:
“Vá para a terceira bandeja, é claro, e comece a escrever ficção de verdade. (…) [Carpinteiros] Constroem com uma tábua de cada vez, com um tijolo de cada vez. Você vai construir um parágrafo de cada vez, feitos do seu vocabulário e do seu conhecimento de gramática e estilo básicos. Se mantiver tudo nivelado e continuar aplainando todas as portas, pode construir o que quiser – mansões inteiras, se tiver disposição para isso”. (págs. 119-120)
“(…) a boa escrita consiste em dominar os fundamentos (vocabulário, gramática, elementos de estilo) e depois colocar os instrumentos certos na terceira bandeja de sua caixa de ferramentas”. (pág. 124)
O principal a ser aprendido aqui é sobre a paciência e resiliência de ir construindo seu texto aos poucos e deixar a mágica desse processo te envolver até a sonhada “construção de mansões”, ou texto bem elaborado.
6. Ambiente e rituais de escrita
Ter um ambiente tranquilo, sem distrações, ajuda na concentração necessária para escrever:
“(…) Até mesmo para o escritor mais produtivo, é difícil trabalhar em um ambiente onde sustos e intromissões são a regra, não a exceção”. (pág. 134)
“Se possível, não tenha telefone em sua sala. E não coloque televisão ou vídeo games que possam distraí-lo. (…) Para qualquer escritor, e em particular, para o iniciante, é aconselhável eliminar todas as distrações possíveis. (…) Quando você escreve, está criando seus próprios mundos”. (pág. 135)
Stephen também ressalta a importância de cultivar hábitos e rituais na hora de escrever. Isso ajuda a reforçar a sua disciplina:
“(…) O cronograma – entrar mais ou menos na mesma hora todos os dias, sair quando as mil palavras estiverem no papel ou no computador – existe para que você se habitue e se prepare para sonhar, exatamente como se prepara para dormir ao ir para cama mais ou menos no mesmo horário todas as noites e seguir sempre o mesmo ritual. (pág. 136)
Essas dicas são simples, mas preciosas!
Crédito: Saturated no GettyImage/Canva.
7. Escrever sobre você e suas experiências que são únicas
Falar de suas experiências que só você viveu e sentiu na pele te conecta com a boa escrita:
“Escreva o que quiser, depois encharque a história de vida e a torne única, acrescentando seu conhecimento pessoal e intransferível do mundo (…) . Você só não pode esquecer que existe uma grande diferença entre discorrer sobre o que sabe e usar este conhecimento para enriquecer a história. O último é bom. O primeiro, não”. (págs. 138-139)
“O que você sabe o torna único de alguma forma. Seja corajoso”. (pág. 141)
Me chamou a atenção, porém, que falar das suas experiências não é falar de si, isso é ruim como ele alerta.
O bom é usar o que você sabe e aprendeu como ponto de partida para contar as suas histórias injetando no texto o seu toque especial, e deixando transparecer a sua visão diferenciada e única.
8. Os segredos mágicos da escrita, será?
Para o autor, não há ingrediente secreto, como a pena “mágica” do elefantinho Dumbo, capaz de fazer sua escrita reluzir.
Tem sim, trabalho, prática, disciplina e o desejo de cativar o leitor com uma boa história e, no fundo, tudo acaba sendo um grande trabalho de autodescoberta. Talvez a grande lição seja essa:
“ Aprendemos mais lendo muito e escrevendo muito, e as lições mais valiosas são aquelas que ensinamos a nós mesmo. São lições que quase sempre nos ocorrem quando a porta do escritório está fechada” (págs. 201-202)
Não tem segredo mágico, mas pode ser encarado como um processo mágico que te revela para você mesmo e para o outro que te lê.
9. Gran finale – Por que escrever, Stephen?
“(…) a escrita é para enriquecer a vida daqueles que leem seu trabalho, e também para enriquecer sua vida. A escrita serve para despertar, melhorar e superar”. (pág. 229)
Confesso que depois que li essa frase, me senti ainda mais inspirada em continuar escrevendo.
Comente qual dica mais gostou! 😉
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Crédito da imagem de capa: Arquivo pessoal.